quarta-feira, 29 de abril de 2009

Imola, 15 anos atrás, Ed. 1


A imagem acima era muito comum de ser vista nas janelas de casas e apartamentos de todo o país. Variavelmente era seguida da frase "Valeu Senna!", depois do anúncio da morte de Ayrton Senna. O garoto tímido que começou no kart, filho de uma prospera família da elite paulistana, que no kartódromo de Interlagos era conhecido apenas por "42" (o número que usava no início da carreira) tornara-se um ídolo nacional. Após o kart, partiu direto para a Europa e foi competir na Formula Ford 1600, evoluindo pelas categorias tradicionais (como a competitiva Formula 3, onde as disputas com Martin Brundle eram, no mínimo, ferozes) rumo a F1.



Senna ganhou tudo por onde passou com monopostos (como muitos outros brasileiros a exemplo de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet). Uma das suas decepções em termos de carreira foi de não ter conseguido ser campeão mundial de kart, campeonato onde obteve 2 vice-campeonatos.

Acima, Ayrton num dos Mundias de Kart.

Senna entrou na F1 pela Toleman (que depois foi vendida ao Grupo Benetton que, hoje em dia é a Renault F1), obtendo resultados modestos, compatíveis com o equipamento que dispunha. Em '85 foi para a Lotus, lá ficando até 87, transferindo-se para a McLaren em 1988, onde conquistou seus 3 títulos mundias. Almejou estar no cockpit da Willimas desde 1992, carros providos de todo aparato eletrônico que deixavam as demais equipes com cara de boba. Senna então conseguiu um contrato com Frank Williams para '94.
A FIA resolveu retirar as ajudas eletrônicas para '94 como o controle de tração e suspensão ativa, afim de deixar a F1 "mais humana". A Williams estava atrasada no desenvolvimento de bólidos tradicionais pois não acreditava que a FIA pudesse tirar a eletrônica dos carros. O resultado foi um Williams FW16 nervoso, difícil de guiar. Os críticos de Senna já sabiam em quem colocar a culpa: Diziam que Senna não era um bom acertador de carros e não conseguia desenvolver o bólido como Prost e Piquet faziam nas pré-temporadas. O cockpit do FW16 era apertado para a posição que Senna adotava ao guiar, fazendo com que suas mãos raspassem nas laterais internas do cockpit.
No início da pré-temporada, Senna dava uma volta rápida e a seguinte lenta. Levou o carro que ele mesmo "carinhosamente" apelidou de "cadeira elétrica" para o box. Conversando com os engenheiros relatou que a direção "parecia de caminhão". Frank Williams concedeu uma entrevista após os ocorridos em Imola dizendo que "todos na F1 acreditavam que Senna seria campeão em '94 mas dentro da equipe NINGUÉM presumiu que ele o seria. Frank admitiu que "o carro era difícil", reconheceu que todos sabiam do potencial de Michael Schumacher. Patrick Head relatou que no final de semana em Imola Senna pediu que o volante fosse aproximado do seu corpo afim de resolver o desconforto dentro do cockpit. O resultado todos sabem: Um remendo grosseiro do tipo "luva" fora feito para aumentar a coluna de direção. A fadiga ocorreu onde qualquer manual de metalurgia previra: Antes da solda.
Mas é claro que, como toda boa catástrofe, esta começou a se desenhar no dia 29 de Abril com um chocante acidente do brasileiro Rubens Barrichello. A jovem promessa brasileira na F1 perdeu o controle do seu Jordan e decolou na zebra da saída da curva Variante Baixa. O acidente foi impactante para quem viu e, para Rubens, causou desorientação até o dia 2 de Maio e o braço direito fraturado, bem como o nariz.

Barrichello, após a decolagem.


A batida na barreira de pneus e no alambrado.


Ao aterrissar, o carro capota.




A posição em que o carro parou.


Atendimento médico prestado a Barrichello.


Dr. Watkins (com o boné azul-marinho) estabilizando
a coluna cervical do piloto.

Ayrton Senna ficou abalado com o acidente, claro. Tentou entrar no centro médico do Autódromo Enzo e Dino Ferrari, afim de saber mais detalhadamente o estado de Rubens. Pelos seguranças, o acesso (por meios normais) foi negado a Ayrton. Numa distração do guarda, Senna pulou o muro do Centro Médico, ficando mais assustado. Viu um Rubens desorientado, com ferimentos na face, o braço quebrado e possivelmente drogado de morfina, afim de tratar-lhe as dores. Na saída tentou ser entrevistado mas não conseguiu falar. Segundo o próprio Dr. Sid Watkins, Barrichello ficou morto por 6 segundos, vitima da sua própria língua que obstrui-lhe a laringe, causando uma parada respiratória. Pela invasão desautorizada ao Centro Médico, Senna foi advertido pela FIA.
No dia seguinte, nos treinos oficiais, aconteceu algo que não ocorria desde 1982. Morte na pista. A última vítima fatal em um final de semana de corrida havia sido o italiano Ricardo Palleti no Canada. A mais recente, no entanto, havia sido de Elio De Alngelis em treinos privados da Brabham em 1986. Senna já estava na F1 e dividiu a equipe Lotus com De Angelis em 1985. Mas aqueles eram outros tempos onde acidentes graves eram comuns e mortes na pista não eram tão raras. O melhor exemplo dessa mentalidade dos '70, foi a frase que Carlos Reutmann proferiu ao ser informado por Bernie Ecclestone que François Cevert estava morto com o corpo dilacerado: "Você sabe que relação de marchas ele estava usando?"
O austriaco Roland Ratzenberger bateu a mais de 300 km/h na curva Vileneuve, e veio se desmentelando até a curva Tozza. A curva Vileneuve ganhou esse nome por causa de Gilles Vileneuve, que deu essa porrada abaixo:


Acima, Gilles Vileneuve em seu acidente em Imola. Ele saiu caminhando do carro

O acidente de Roland foi fatal. Apesar de a FIA negar até hoje, Ratzenberger morreu na pista. A causa do seu acidente foi a perda do aerofólio, tornando o automóvel no que Galvão Bueno costuma chamar de pombo sem asa.


Batida de Ratzenberger na Vileneuve

(Imagem - Veja)
A posição final do carro. Pode-se notar o braço esquerdo do piloto por um buraco aberto no cockpit (em branco). Nas imagens da TV,
foi dado um close no piloto. Foi possível averiguar que havia sangue no capacete, externamente, próximo da viseira, no canto superior esquerdo

Embora tenham sido executadas manobras de RCP (reanimação cardio-pulmonar), estas mostraram-se inúteis. Há relatos de pessoas que viram o embarque do piloto no helicóptero rumo ao Hospital Maggiore, em Bologna. Essas pessoas dizem ter visto um frasco de soro sobre o corpo do piloto e que este não estava conectado ao corpo de Roland. A morte foi atestada no Hospital, convienentemente pois a lei italiana diz que, em eventos esportivos, em caso de morte, este deve ser cancelado e toda a área isolada para a perícia. Seria péssimo em termos financeiros para a F1, se o evento fosse cancelado, sob o lema que "não se morre mais na F1" e os anos de sorte em que a categoria viveu sem mortes na pista. Ayrton Senna ao ver o acidente pelo monitor de TV no box, saiu desolado e postou-se a chorar. Convulsivamente. Um dos engenheiros da Williams, Adrian Newey chegou a dizer algo como, "o que houve com ele? eles eram amigos?" Senna não tinha qualquer ligação com Roland, a não ser a profissional. Mais uma vez desautorizado, Ayrton Senna foi até o local do acidente de Roland.


Senna e Watkins no local do acidente de Roland.

No livro, "Ayrton, o herói revelado" Ernesto Rodrigues relata que Sid e Ayrton, tornaram-se grandes amigos nos 10 anos de F1 de Ayrton, tiveram o seguinte diálogo:
"Deixe essa vida, não corra amanhã. algo muito ruim vai acontecer. Você já é tricampeão mundial, é o melhor piloto do mundo. Não precisa ficar se arriscando. Vamos pescar. vamos esquecer isso."
- Existem coisas que fogem ao nosso controle. Preciso continuar.
Novamente foi advertido por ir sem autorização ao local do acidente.
Senna havia feito a melhor marca no qualifying, perfazendo 65 pole positions na carreira, marca superada apenas por Michael Schumacher em 2006, 12 anos depois, por 3 poles a mais e 5 anos mais de carreira.
Ayrton chegou a cogitar não correr, mas foi em frente. Há fotos famosas de Senna dentro do box onde dizem parecer que ele estava pressentindo algo, como aquela de Ayrton com as mãos repousadas sobre o aerofólio do FW16. Mas isso fazia parte do ritual de concentração de Senna, desde os tempos de McLaren.


Senna na McLaren.


Essa imagem é emblemática. Ayrton nunca havia tirado o capacete após alinhar no grid.

Dada a largada um carro ficou parado no grid e foi abalroado por trás por outro, lançando destroços e ferindo espectadores. O Safety Car entrou na pista para que esta fosse limpa. Algumas pessoas atribuiram isso como a causa da morte de Ayrton. Diziam que as voltas em baixa velocidade atrás do Safety Car fizeram os pneus perderem pressão, aproximando o fundo do carro do asfalto. Como a pista tinha uma emenda, endossaram que o fundo do carro bateu na pista, arremessando-o contra o muro. Outras insistiam em quebra de suspensão mas, se alguma dessas duas hipótese tivesse ocorrido, o carro teria saido rodando. Em 1991 houve um acidente muito parecido, na mesma curva. Michele Alboreto testava o Footwork/Arrows em Imola:






Alboreto saiu do carro por seus próprios meios, batendo a poeira.


Estado do carro de Alboreto lembra muito como o de Ayrton ficou após o acidente.

Após o acidente de Alboreto foi cosntatado que o aerofólio dianteiro estava trincado antes do acidente.
A versão final da justiça italianapara o caso de Ayrton Senna foi: Ayrton Senna bateu no muro da curva Tamburello devido a rotura da coluna de direção no ponto onde fora um remendo do tipo "luva". Sua morte foi causada por um braço da suspensão dianteira direita que perfurou-lhe o capacete, atingindo sua tempora direita e sua órbita do mesmo lado. Foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) Frank Williams, Patrick Head e o responsável pelo reparo da peça pelo mesmo crime, mais o agravante de imperícia. Em 97 todos foram absolvidos. Em 2002 o capacete que Ayrton usava no acidente foi incinerado em comum acordo entre a familia Senna e a Justiça Italiana. Os outros ítens da indumentária de Ayrton como luvas, sapatilhas e macacão "se perderam". Um dos motivos que a Justiça Italiana e a Familia de Ayrton optaram pela destruição do capacete foi para evitar a comercialização do mesmo no mercado negro. O chassi FW16 e outras partes do carro foram devolvidas à Williams que provavelmente também os destruiram.


Primeiro indício de que havia algo errdado com o sistema de
direção: a coluna de direção saiu junto com o volante.

Foto do processo: a porção da coluna de direção
que ficou (e fica normalmente) no carro. A
seta indica onde a fadiga aconteceu.

Na foto acima o pedaço da coluna de direção que
ficou presa ao volante. A seta indica, também,
o local da fadiga.

4 comentários:

  1. Hoje, quinze anos depois, entrei aqui porque sabia que ia encontrar um post temático! Muito bem escrito, gostei muito. E se ele estivesse vivo, será que o Schumacher teria acumulado tantas vitórias ou não?? Beijos,
    Lu Rossato

    ResponderExcluir
  2. Carlos / João Pessoa - PB30 de agosto de 2009 às 23:10

    Parabéns pela lembrança.
    Muito bom saber q mais alguem ainda pensa em nosso maior idolo.
    Sempre me ponho a pensar nesse grande idolo e quando meu filho crescer vou mostrar a carreira brilhante desse rapaz chamado Airton Senna da Silva.
    SAUDADES DAQUELES BONS TEMPOS.

    ResponderExcluir
  3. Não sei se alguém vai ler esse depoimento, mas particularmente não me importa.
    A morte do Ayrton fechou um ciclo de infelicidades na minha vida, podem até achar que estou exagerando mas é a pura verdade. De 1992 até 1994, tudo o que eu tinha de referência na minha vida foram sendo retirado deste mundo.
    não assistir Ayrton pela manha de domingo, era a mesma coisa que domingo sem macarrão e coca-cola. Ainda me lembro, eu e meu tio assistindo a corrida e minha tia preparando o almoço. Tudo combinava, as vitorias, o espetáculo e pra finalizar aquele macarrão com queijo.
    Bem, pra encurtar perdi meu tio em 1992, ali ja não era mais a mesma coisa. Ficar sozinho assistindo o Senna dar um show w ninguém pra comentar. Até tinha meu pai mas ele nunca se ligou muito em corrida e minha tia não era mais a mesma, até seu macarrão perdeu metade do sabor. Mas eu ainda lhe fazia vizitas aos domingos depois das corrridas porque sabia que era muito triste pra ela me ver sozinho na sala. Em Fevereiro de 1994 ela também se foi e apenas me restara o nosso Senna...

    ResponderExcluir
  4. AMIGO, VC SABE QUAL ERA O TAMANHO DO CAPACETE QUE O SENNA USAVA ?

    ANDRE - RJ118@TERRA.COM.BR

    ResponderExcluir

Este é o momento mais gratificante do blog. Deixe seu comentário e faça um blogueiro feliz!